Legislação
Liberação da pesca de arrasto no RS causa polêmica
Pescadores e pesquisadores são contrários à portaria do governo federal que libera a prática no Estado
A decisão do governo federal de liberar a pesca de arrasto no Rio Grande do Sul não foi bem aceita por pescadores e pesquisadores da área. Até então, o Estado contava com uma legislação própria que proibia a prática. Defensores da normativa estadual consideram este tipo de pesca prejudicial ao meio ambiente e à categoria.
Publicada nesta quarta-feira (23), no Diário Oficial da União, a portaria 634 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), através da Secretaria de Aquicultura e Pesca (SAP), estabelece novas regras para a captura de arrasto do camarão. O documento autoriza a prática até 12 milhas náuticas na costa gaúcha.
A decisão, que entra em vigor em sete dias, estabelece regras para que seja possível atuar neste formato de captura do crustáceo. Entre elas, o cadastro na pasta do governo federal e um dispositivo de escape para tartarugas. As redes também devem obedecer tamanhos específicos.
RS contava com lei própria
Desde 2019, o Rio Grande do Sul contava com uma legislação específica sobre o tema. Após diversas discussões, ficou instituída a Política Estadual de Desenvolvimento Sustentável da Pesca. O objetivo da lei 15.223 era de promover o desenvolvimento sustentável da atividade no Estado a fim de possibilitar às comunidades pesqueiras geração de trabalho e conservação da biodiversidade aquática.
Entre as determinações do documento, está a proibição de toda e qualquer rede de arrasto tracionada por embarcações motorizadas em 12 milhas náuticas da faixa marítima da zona costeira gaúcha.
Exploração ineficiente
Para o professor do Instituto de Oceanografia da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), Luís Gustavo Cardoso, o assunto é complexo e deveria ser melhor discutido. Ele liderou o estudo realizado em 2018 que embasou a criação da lei no RS e cita algumas consequências causadas pela liberação, como a morte de peixes pequenos que poderiam se desenvolver, além da captura de tartarugas e de outros animais marinhos presentes na região.
Durante o levantamento de dados foi constatado que cada tonelada de peixes pequenos, em dois anos, poderia virar dez toneladas caso eles tivessem a oportunidade de crescer e se desenvolver. "A pesca de arrasto gera um impacto ambiental muito grande. É uma exploração ineficiente dos recursos", comenta.
Uma batalha de anos
O professor lembra que a pesca de arrasto ocorria nas 12 milhas do Rio Grande do Sul desde a década de 50 e só acabou em 2018 devido à criação da lei. Porém, com a decisão, pescadores de Santa Catarina - que utilizavam a técnica - partiram em busca de reverter a legislação.
Em abril do ano passado, a SAP criou um plano de retomada da pesca de arrasto, estabelecendo regras que, segundo Cardoso, na prática não são cumpridas. Agora, a nova portaria regulamenta a utilização de redes de arrasto na costa gaúcha.
Impacto para os pescadores
Segundo o vice-presidente do Fórum da Lagoa dos Patos, Ivan Kuhn, a decisão do governo federal trará prejuízos àqueles que praticam a pesca artesanal. Ele diz que no RS não há embarcações para a pesca de arrasto e explica que atualmente são usadas redes específicas, seja para a captura de peixes ou crustáceos. Com a liberação, Kuhn alega que poderá ter a diminuição de algumas espécies.
"A pesca de arrasto é nociva e traz um impacto muito grande. Nossa opinião é contrária a essa decisão do governo. Trabalhamos muito na elaboração da legislação estadual, pois estávamos no fundo do poço e havia a necessidade de uma lei para manter a atividade", comenta.
Em pauta no Legislativo gaúcho
Está marcada para a próxima segunda-feira, às 14h, na Assembleia Legislativa do Estado, uma reunião da Frente Parlamentar em Defesa do Setor Pesqueiro que irá discutir o assunto. Para o presidente da organização, deputado estadual Zé Nunes (PT), a portaria causa prejuízos ao meio ambiente. "Espécies que não existiam mais voltaram a aparecer. Isso é fruto da lei que proibiu o dano causado pela pesca de arrasto. O que está posto nesta portaria não se sustenta e não condiz com a realidade", comenta.
O parlamentar participou das discussões sobre a lei em 2018 e diz que, entre os encaminhamentos que o encontro terá, está um pedido de agilidade ao Superior Tribunal Federal (STF) na apreciação do mérito da lei estadual. Também será solicitado que o Ministério Público Federal entre com uma ação para inviabilizar a pesca de arrasto no Estado. Nunes destaca ainda a importância da mobilização política sobre o assunto.
Posição contrária a portaria
Na tarde de ontem, o secretário de Meio Ambiente de Rio Grande, Pedro Fruet, condenou a decisão do governo federal. "Não existe pesca de arrasto sustentável", define.
O chefe da pasta, que também é doutor em oceanografia, aponta que a normativa também deve trazer impactos econômicos para municípios dedicados à atividade pesqueira, como Rio Grande e São José do Norte. "Penso que os pescadores da cidade vão sentir bastante. Quem perde é a biodiversidade e a parte social e econômica de todo o Rio Grande do Sul.", finaliza Fruet.
De acordo com dados apresentados por ele, a cada um quilo de camarão capturado, a pesca de arrasto acaba matando cinco quilos de outras espécies e, com isso, acaba afetando, inclusive, a reprodução desses animais.
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